quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Saga: Apanhando o Apanhador

• Todos os trechos contidos nessa resenha foram retirados da obra, e peço desculpas por não poder indicar as páginas nas quais estes se encontram, pois tive de devolver o livro antes de anotá-las.

Certos acontecimentos em minha vida quase conseguem me fazer crer naquela visão utópica de destino, ou naquela teoria positivista clichê na qual nosso cotidiano pode ser modificado pela força de um pensamento constante. Há algum tempo atrás fui instigada por um título, um tanto enigmático, citado em alguns de meus livros e filmes favoritos, e que se tornou, por um longo período, uma promessa inquietante na minha check list literária: O Apanhador no Campo de Centeio. Já estava descrente de encontra-lo dando sopa como e-book na internet, quando fui surpreendida por sua presença na biblioteca municipal. Contudo, tendo, na ocasião, estourado minha cota de livros emprestados, tive de deixar a locação do dito cujo para futura oportunidade.

Duas semanas atrás, antes de me mudar para São Paulo – transferência que renderá um futuro post – eu passava por um dos momentos mais difíceis, confusos e angustiantes da minha vida. Fui à biblioteca buscar por uma distração como uma beata vai a missa buscar por intervenção divina, acabando por achar tanto uma quanto a outra.

Lembro-me perfeitamente de estar analisando a prateleira de literatura inglesa, quando ouvi outra leitora esculachar o livro que esteve, por dois anos – sim, dois anos - em suas mãos, alto o bastante para ser ouvida não só pela bibliotecária. Não sou bisbilhoteira, mas tampouco sou surda, e entre uma reclamação e outra, apanhei a palavra “apanhador”, substantivo suficientemente significativo para me fazer correr até o outro cômodo – onde fica a pequena recepção e a bibliotecária – e perguntar, com um misto de incredulidade e alegria: “Qual livro você emprestou?”

Não gosto de criar julgamentos sobre desconhecidos, principalmente baseando-me em alguns comentários, mas essa leitora ao atribuir adjetivos como “besta” e “nada ver” à obra de J.D Salinger, demonstra não possuir sensibilidade necessária para realmente entender a maravilhosa trama elaborada pelo autor.

Fanart

Devo os advertir, primeiramente, de que não se trata de uma estória com grandes acontecimentos, situações eletrizantes e cheias de adrenalina. O diferencial das memórias de Holden – narradas pelo próprio, de uma forma nada rebuscada, simples, direta e muito emocional – está no encanto e doçura, ou na melancolia e profundidade, extraídas dos viveres triviais de dezesseis anos.

Por seus olhos enxergamos os pacatos acontecimentos e participantes de seu dia-a-dia de uma forma eufemística e não cronológica, e é incrível como as reflexões infantis para estes formuladas conseguem nos influenciar de tal forma a ponto de relevarmos sua estupidez e enfatizarmos a afinidade encontrada com certos sentimentos e julgamentos do personagem. Aspecto que me lembrou – e muito – os personagens Machadianos.

Fielmente, o autor descreve toda revolta e inconstância emocional típicas da puberdade. Não havia visto em qualquer outra obra o escapismo, proporcionado por álcool ou fantasias, explorado de uma forma tão singular, embora muito mais concreta do que os clichês junkies tão cultuados atualmente.

“Fico imaginando uma porção de garotinhos brincando de alguma coisa num baita campo de centeio e tudo. Milhares de garotinhos, e ninguém por perto - quer dizer, ninguém grande - a não ser eu. E eu fico na beirada de um precipício maluco. Sabe o quê que eu tenho de fazer? Tenho que agarrar todo mundo que vai cair no abismo. Quer dizer, se um deles começar a correr sem olhar onde está indo, eu tenho que aparecer de algum canto e agarrar o garoto. Só isso que eu ia fazer o dia todo. Ia ser só o apanhador no campo de centeio e tudo. Sei que é maluquice, mas é a única coisa que eu queria fazer.”

Salinger não procura criar um mártir ou um herói, mas a fiel descrição de um rapaz que é, ao mesmo tempo, tão negligente e desequilibrado quanto questionador e maduro, inconformado com as convenções sociais nas quais se encontra obrigatoriamente incluso, oscilando entre a vontade de mudar o mundo e não fazer absolutamente nada, a não ser se autodestruir. Holden Caulfield é uma mistura deliciosa de síndrome de Peter Pan com contradições, a cada página se tornando mais e mais confuso e nos confundindo também.

“Estou sempre dizendo: “Muito prazer em conhecê-lo” para alguém que não tenho nenhum prazer em conhecer. Mas a gente tem que fazer essas coisas pra seguir vivendo.”

Uma das sensações mais impagáveis do universo – para pessoas tão sonhadoras e idealistas quanto eu – é a de ter suas expectativas alcançadas, ou nos melhores casos, superadas. E o Apanhador no Campo de Centeio mereceu todos os meus elogios e esforços para alcança-lo não só pela qualidade de seu conteúdo, mas também por ter me proporcionado tal sensação tão rara, e maravilhosa.

“Bom mesmo é o livro que, quando a gente acaba de ler, fica querendo ser um grande amigo do autor, para poder telefonar para ele toda vez que der vontade. Mas isso é raro de acontecer”

10 comentários:

  1. Esse foi o ultimo livro que eu li em 2012 e devo dizer que gostei muito, mas admito que quando comecei a lê-lo estava bem desanimada, pois não achei nada demais nas resenhas que li do mesmo, mas me surpreendi.
    Não digo que entrou na minha lista de favoritos, mas se bem interpretado, da pra tirar muita coisa dele e se divertir bastante com Holden kkk
    Só uma obs: terminei de ler o livro e fiquei imaginando se Holden era um garoto bonito ou feio kkkk fiquei com isso na minha cabeça porque, apesar das descrições, hora o achava bonito, hora feio.

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  2. Eu poderia fazer um livro sobre a montanha de livros que desejo muito porém não acho disponível em lugar nenhum. Podia mesmo, porque é toda uma saga, Bea, sério, tem livro que eu tô desejando desde sempre, já rodei toda a cidade procurando e nada, nadica de nada. Na internet ou está indisponível ou caro demais. Sempre assim.
    Sabe quando você vê uma pessoa falando com tanto carinho de um livro que nem lê nada sobre, não sabe do que se trata, mas já o quer? Foi o que aconteceu, e a história se repete e continua, com O Apanhador No Campo De Centeio. E com alguns outros, claro.
    E sim, a coisa mais linda é quando a obra corresponde ou ultrapassa as expectativas que a gente cria pra ela. O problema aqui é que quanto mais tempo demoro para tê-la, mais expectativas crio. E isso não é lá coisa boa, mas vamo que vamo.
    Beijo, e já preciso (ainda mais) desse livro.

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  3. Acabei de ler esse livro, mas não sei se gostei dele ou se o mesmo veio a ser detestável. Eu ia gostar muito desse tipo de leitura se tivesse a idade de Holden - aos dezesseis anos, eu lia histórias desse tipo. A obra faria sentido para mim naquela época. Olho agora para o Holden como um adulto observa os devaneios de uma criança - e isso sim deve ser um erro.
    Mas sim: é um livro lindo, singular e a narração é super direta e jovial - embora eu preferisse lê-lo em inglês, porque as gírias traduzidas me parecem ultrapassadas.
    Abraços.

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  4. Oi, Bia, tudo bom?

    Faz muito tempo que eu não vinha aqui no teu blog e estou feliz de ter voltado e me deparado com uma análise do Apanhador. É um dos meus livros predileto, ele é o meu romance de formação favorito (seguido por O Encontro Marcado). É uma narrativa muito forte e atual, mesmo tendo sido escrito em um lugar muito longe e há mais de 60 anos, parece que poderia ter acontecido comigo.

    É uma prova cabal de que, nessa passagens para a vida adulta, todos nós passamos pro dilemas e dramas, vivendo com uma angústia que parece não ter fim... ler o Apanhador aos 18 anos fez a minha angústia diminuir. Fico feliz que Holden tenha cruzado o teu caminho.

    Almeida José

    www.conteiro.wordpress.com

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  5. Certeza de que amarei esse livro, certeza.
    Mais um pra minha - já tão grande - lista.
    E os quotes que você colocou aqui? Caramba, vontade de colocá-los no perfil. São tão lindos...

    Kissu ;*

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  6. Tô com esse livro aqui para ler há uns dois anos, mas quem disseque lembro dele na hora de montar o cronograma? Minha irmã destacou exatamente essa falta de enredo como um dos pontos positivos...

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  7. Fiquei muito curiosa :o Parece ser mt bom!!


    Adolecentro

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  8. Bem legal... Nunca li!

    PS: Se você curtir a fã page do blog ou seguir, me avisa que curto/sigo de volto! =)

    Blog: www.kaahmenezes.wordpress.com
    Fã page: www.facebook.com/pages/Kaah-Menezes/146488652178125

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  9. Eu sempre tive vontade de ler esse livro, e gostei muito dessa sua resenha, me fez ter mais vontade. Eu só acho ele meio caro, e fico revoltada como livros em geral são caros no Brasil, porque eu compro muito...
    Mas acho que vale comprar, a cada nova opinião que leio. Vou pôr na minha lista.
    E eu sou das que não buscam num livro apenas ação... Nunca vou achar um livro chato porque ele "não tem ação" se ele tem um propósito e um bom trabalho de linguagem pra mostrar isso. Enfim, a vontade de ler triplicou mesmo.
    Beijo!

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