domingo, 21 de fevereiro de 2016

Câmera, cor e inspiração

Dias atrás descobri um projeto chamado End the Echo cuja proposta é incentivar designers a utilizar como fonte de inspiração na hora de desenvolver um projeto, não só materiais criados por colegas de profissão expostos em bancos de portfólio como o Behance,  como também elementos e cores do cotidiano urbano, formas e texturas de ~coisas que a natureza nos dá~ e produtos criativos de outras categorias como música, fotografia, dança, etc. 

A partir deste desafio comecei a refletir sobre qual seria minha principal fonte de inspiração desde o início de minha carreira. A resposta não poderia ser outra se não cinema.

Os filmes que assisto me inspiram muito, principalmente a paleta de cores escolhida para fotografia, figurino e cenário. 
Fiz uma lista com sete obras que gostaria de roubar as cores da tela para colorir tanto meus projetos como ambientes e situações da minha pacata vida. 

Memórias de uma Gueixa

O Grade Hotel Budapeste

A Noiva Cadáver

Maria Antonieta

A princesinha

Sucker Punch

A Maldição da Flor Dourada

O Fabuloso Destino de Amelie Poulain


quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Epifanias de uma casquinha de sorvete

Não gosto do verão. O mormaço, a luz amarela de sol forte batendo nos olhos e principalmente minha capacidade de suar o bigode com uma simples caminhada de 20 minutos. Se a temperatura ultrapassa os 25 graus, meu humor fica abaixo de zero.

Caminhar até o metrô depois do trabalho é um alivio! Poder sentir o vento fresco do anoitecer, esticar as pernas, respirar os resquícios de ar puro produzidos pelas árvores da Fradique Coutinho no meio de toda poluição urbana.

Melhor ainda é encontrar uma sorveteria no caminho.

Sorvetes fazem o verão valer a pena. Sorvetes fazem a vida valer a pena. Meu instinto gordinho avisou, desde o primeiro dia na região, que algo muito especial se encontrava naquela sorveteria. Um dia escaldante seria o momento ideal para tirar a prova. 

Entrei. Oito reais uma casquinha com duas bolas. Justo, diria até barato, já que costumo pagar 13 em um micro copo de Bacio di Latte. Escolhi “menta com chocolate” e “pão de mel”. A primeira colherada me mostrou como deve ser o paraíso.

Não pude ficar muito tempo na sorveteria, apreciando lentamente aquele momento de paz de espírito e satisfação, pois queria chegar o mais rápido possível em casa. Peguei meu rumo com a casquina na mão, o sorvete escorrendo pelo braço, pessoas me olhando torto por esse motivo e um milhão de pensamentos decorrentes da situação.

Fazia anos que não tomava sorvete daquela forma grotesca. Não sentia nenhum tipo de incomodo ou constrangimento, ao contrário, estava naqueles momentos incríveis em que se vive apenas o presente. Pensei em quantas coisas simples, alegres e grotescas deixei de fazer temendo possíveis julgamentos.

Por fim, fiquei feliz. Talvez depois de quase 22 anos de insegurança consegui finalmente aprender a cagar para certas condutas sociais. Aliás, todos deveriam experimentar uma vez na vida: esse sorvete e a liberdade.

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Não deu tempo de tirar foto do sorvete, mas no vídeo abaixo a Jout Jout maravilhosa também fala sobre a sensação libertadora de ~desencanar~.

terça-feira, 7 de julho de 2015

Chuva

A chuva bate na janela, me acorda. Abro os olhos para ver as gotinhas solitárias escorrendo pelo vidro. A luz que entra é de um azul pálido, uma penumbra triste, de final de um dia pouco ensolarado. Fico de joelhos nos lençóis para ver a água correr por aquela rua. No mesmo asfalto onde correram tantas histórias, com gosto de cerveja e cheiro de cigarro de hortelã. Um homem de meia idade caminha, seu suéter verde contrastando com as paredes coloridas das casas daquela calçada. Leva nos lábios um sorriso sonhador.

De quem relembra doces momentos da juventude ou adoça a alma com esperanças futuras?

sábado, 13 de dezembro de 2014

A sopa

Maria dissolveu o conteúdo do sache na água, o pó flutuou até o fundo da panela, enquanto os pedaços de macarrão subiam para superfície, boiando. Riscou o fósforo deixando a chama dançar numa luz laranja e azul, até quase encostar-se à ponta de seus dedos, antes de acender uma das bocas do fogão na qual iria colocar a panela.

Com a colher de pau mexia lentamente a mistura, o líquido tornando-se cada vez mais espesso. Levantou os olhos para aquela cena que lhe era tão habitual quanto deprimente: a família reunida.

O pai estava na cozinha, sentado à mesa, debruçado sobre o prato de comida. O arroz escapava da boca que mastigava ferozmente os pedaços de carne, o feijão, a batata, as sobras do modesto almoço das quais ele exigia maior parte. A regata branca suada, esticada para caber naquele corpo gordo e gigantesco, mal cobrindo a barriga peluda. 

“Monstro.” 

 Arrotou sonoramente. Satisfeito, jogou seu prato e talheres na pia, e encarou a filha com seus olhos pequenos esmagados pelas bochechas pocinhas. Com seu olhar ameaçador indicou quem seria responsável pela louça. Derrubou-se no sofá da sala e em minutos, seu ronco de besta já ecoava pelo pequeno cômodo.

A mãe e o irmão mais novo permaneciam com os olhos vidrados na televisão, indiferentes a presença grotesca do patriarca, a claridade florescente iluminando suas feições inexpressivas, estáticas. Pareciam dois espectros presos eternamente naquela casa, assistindo a realidade, dia após dia, existindo, sem manifestar qualquer sinal de vontade, sentimento, pensamento... 

 O rosto da mãe era comprido, magro e ossudo. A pele seca, pontilhada por manchas de sol, enrugava em volta dos olhos grandes de um azul nublado. Quando por sorte Maria conseguia olhar no fundo daqueles olhos, percebia um indício de beleza que algum dia quis aparecer, mas fora sufocado por um casamento precoce e indesejado. A mãe sorria muito pouco, e quando o fazia, não chegava nem a mostrar os dentes miúdos. 

 Trovejou. Uma tempestade repentina fazia tremer aquela pequena e velha casa no meio do nada. A sopa começava a ferver, borbulhando. Maria voltou-se para janela. No vidro pontilhado de gotas de chuva, deparou-se com seu reflexo, iluminado por trovões que cortavam o céu no meio. Os olhos da mãe se desviaram da TV e se voltaram para figura da filha, que a encarava. A mais velha sorriu, como se adivinhasse e abençoasse a ideia que surgiu na mente de Maria. A jovem desligou o fogo. Soltou bruscamente a colher na panela. 

 O pai entreabriu os olhos a tempo de ver a garota abrir a porta da cozinha e entrar na tempestade. Virou o corpo para o outro lado.

 “Estou sonhando.” 

Os pés descalços de Maria afundavam na grama alta e úmida, a chuva encharcando a roupa, colando seus cabelos no rosto, congelando o corpo que se sentia vivo como nunca. Ela correu com os olhos fechados, sem se importar com a chuva, com o vento, com seus pés descalços, que não perceberam quando a grama deu lugar ao asfalto. Maria só notou o carro segundos antes de ser atropelada. 

O motorista, apavorado, se aproximou da menina a tempo de ver seus lábios soprarem uma última palavra, a qual ele não pode distinguir. 

 “Livre.”


terça-feira, 26 de agosto de 2014

A Viúva Negra e o tal do amor próprio


"Sou uma pessoa que sempre defendeu publicamente uma imagem de corpo saudável, e é ridículo a mídia afirmar que perdi uma quantidade de peso impossível com algum tipo de "dieta de choque" ou exercícios milagrosos. Acredito que é negligente e perigoso essas publicações venderem a história de que são maneiras aceitáveis de parecer uma "estrela de cinema".  
[...] O conceito de "As estrelas são exatamente como nós" nos faz sentirmos conectados com estilos de vida que às vezes podem parecer de outro mundo. Sim, as celebridades são exatamente como nós. Elas lutam com demônios e superam obstáculos e têm hábitos incômodos e lutam com vícios. Dito isso, eu ficaria absolutamente mortificada ao descobrir que alguma garota de 15 anos em Kansas City leu um desses "artigos" e decidiu ficar sem comer durante algumas semanas para ser igual a Scarlett Johansson." (Fonte)
Gosto muito da Scarlett desde Vicki, Cristina, Barcelona. Admito que minha afeição é mais pela personagem (com a qual me identifico bastante psicologicamente), contudo, é muito difícil não se encantar com sua interprete, devido a áurea de doçura espontânea que ela possuí.

  Se seu depoimento é sincero ou uma mera estratégia para lhe atribuir uma imagem humanista, não sei, e sinceramente, não me importa. Eu simplesmente adoro quando celebridades assumem seu lado humano, rejeitando o título de Deuses com o qual a mídia insiste em os consagrar.

  Faço Publicidade e Propaganda, com foco em criação, e sei o quanto essa área pode ser maliciosa a ponto de criar um padrão quase inatingível de beleza, se o objetivo é vender um produto. Não adianta tentar negar o lado negro da força.

  Ele existe, nos slogans de cereais que prometem te secar em 7 dias, nos cremes anti-rugas, nos comerciais cantando o quanto você é bonita mas pode ficar ainda mais com nossos cosméticos, em certas revistas que dizem que você não pode usar determinado peça de roupa, não combina com seu corpo, não importa o quão poderosa e feliz você se sinta. Está principalmente nas modelos super photoshopadas estampando “revistas de saúde”.

  Não faço um anti-ode à beleza, academias, reeducação alimentar, hábitos saudáveis...Faço sim, mais um dos muitos manifestos contra a ditadura de uma beleza inatingível, uma beleza cruel, sustentada por mentiras,que leva pessoas à morte, arranca lágrimas, impede muita gente de ser feliz.

  Sou totalmente a favor de mudanças, mas se for para mudar, que seja por você, para você, e não para se igualar a parâmetros utópicos criados por uma parcela da sociedade que ainda tem muito que amadurecer.

  Ame seu corpo, suas imperfeições, seus sentimentos. Ame principalmente o direito de ser o que você é.





segunda-feira, 28 de julho de 2014

A musa dos loucos poetas ou...

Versos desconexos de um poema rabiscados em cadernos antigos ou algo tão clichê e brega quanto isso.

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Ela é a musa do poeta louco
Perdido no deserto
Seus ombros estão nus
Mas seus lábios cobertos

De cor de carmin, é o tom de seu
vermelho batom
De segunda mão, seus sapatos de cetim
De destino incerto
é seu fim ,

Procura por um cavalheiro
sem nome, rosto ou qualquer outro meio
De identificação

Quer nele dar um beijo no rosto,
outro nos lábios, nos olhos

E por fim, dentro do bolso de sua jaqueta

Por seu coração.

Imagem


quinta-feira, 10 de julho de 2014

Mulher de Camafeu

Sabe aquela sensação de que você poderia ter desenvolvido a ideia melhor ao decorrer da narrativa? Pois é, após muitas tentativas, eu ainda continuo com ela. Contudo, a consciência de que estou enferrujada na escrita e de que esta dificuldade só pode ser solucionada escrevendo - ah, não me diga?! - concluí que postar o conto - mesmo ele não atingindo meus padrões pessoais (cof cof) de qualidade literária - é mais eficiente do que rejeitá-lo e deixar o blog no marasmo. 

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Ele aproximou a vela de uma das ires, que dilatadas pela luz, deixaram ainda mais cristalino o tom caramelo dos olhos de Diana. Marcus iluminou o outro olho, antes de abaixar e soprar a chama, e enquanto a dona dos olhos piscava freneticamente, ajeitou uma mecha relutante de seu cabelo, prendendo-a atrás de sua delicada orelha.
  
A jovem sorriu, cabisbaixa. Um sorriso sutil, assim como a beleza de suas feições. Diana era toda miúda, de corpo, de rosto, lábios, nariz, orelha, gestos, palavras...Seus olhos redondos eram as estrelas de sua face, o que lhe trazia luz. Mas há muito tempo não brilhavam como outrora. Estavam cada dia mais dispersos, aéreos, perdidos no nada, ou em algo da qual a dona era a única expectadora. 
  
Psiquiatra, Marcus assistira muitos casos sobre aquela espécie de Melancolia. Sabia que tratava-se de uma doença sem origem explicável, esperta e venenosa, que consumia um indivíduo por sua raiz: a alma. Temia que a primeira ventania que escapasse pela fresa da janela levasse a alma de Diana, como era capaz de fazer com uma trêmula chama de uma das velas que iluminavam o quarto. 
  
Sentindo a fragilidade da pele acobreada da mulher, o médico acariciava aquele rosto pequeno, em formato de coração, correndo o dorso da mão por seu contorno. Recolhendo a mão do esposo com as suas, Diana a aproximou de seus lábios, beijando-a carinhosamente. 
  
Marcus encarou a esposa. Esquadrinhou cada canto daquele belo rosto, magicamente delineado pela luz tremeluzente dos candelabros do quarto. 

Os olhos grandes e dourados, profundos; a tez morena, o nariz fino e levemente arrebitado; as bochechas que estavam mais salientes do que costumavam ser. Em anos de casamento, nunca vira a esposa tão bela como sob aquela penumbra. Suas feições, mesmo cansadas pela doença, assemelhavam-se as de uma criatura surreal, etérea… “Uma mulher de camafeu!”, pensou. 

Eternamente aprisionada por uma moldura invisível. 
  
Empurrando delicadamente seus ombros para a cama, puxando o cobertor e ajeitando o travesseiro, o médico a acomodou no leito, antes de beijar-lhe os lábios, depois a testa, desejando mentalmente a ela uma noite tranquila, sem pesadelos ou insônia. 
_ Obrigada. - sussurrou Diana antes de fechar os olhos. 

“Teria aquele encontro de olhares revelado seus pensamentos?” - se questionou o médico, observando o sereno repouso da esposa, antes de trancar o quarto. Ao lado da porta, uma última vela acessa, que com um sopro, se apagou.

Assim como Diana.