O Alacazaam, meu caderno de desenho e minha escolha profissional foram meios, por mim encontrados, para canalizar de forma construtiva a imaginação fértil além da conta da qual fui abençoada, e da qual, às vezes, me sinto amaldiçoada.
Desde pequena, divido minha existência entre dois mundos, sabe? No mundo compartilhado com os demais indivíduos da sociedade, eu escovo os dentes, lavo louça, pego busão, engordo aos fins de semana, acordo cinco dias da semana seguinte às 7:00 para correr e emagrecer o que engordei e, embora me mate de estudar, não consigo uma nota satisfatória em Matemática ou Introdução a Publicidade e Propaganda.
No outro, meu mundo mental, utópico e perfeito, tão constante e, às vezes, tão concreto quanto o real, costumo enfrentar dragões, comer o que quiser e não engordar, salvar a humanidade com meus personagens de HQ favoritos, liderar uma banda de rock e viver um grande, devastador e promissor, romance. Porque o único romance devastador que vivi no primeiro mundo terminou em desapontamento para ambas as partes.
Tudo que até agora escrevi parece coisa de maluco, mas calma, senta, que tende a piorar.
Sou, em 75% do meu tempo, muito Calvin, um nerd introspectivo e sistemático além de prodígio literário que, em meio a um bloqueio criativo, começa a escrever um romance protagonizado pela mulher de seus sonhos. Contudo, por um motivo não explicado e sobrenatural, Ruby se materializa e seu relacionamento com Calvin se torna real. O enredo é quase uma réplica indie e norte-americana de “
A mulher invisível”, na qual o idealizador é Pedro, um publicitário (oi!?) abandonado pela esposa, salvo da fossa por um produto de sua imaginação: Clarice, a mulher perfeita.
Diferente de Clarice, Ruby pode ser vista por outras pessoas e, o mais importante: possuí “defeitos”. Para preservar a integridade da personalidade da amada – e a veracidade de seu relacionamento -, Calvin vive resistindo a tentação de transformá-la, corrigir suas “imperfeições”. O que é capaz de fazer com apenas um parágrafo.
Essa é a grande sacada do enredo, e a beleza de todo relacionamento. Posso afirmar, por uma pequena experiência própria, que a graça de um “romance” se encontra, ironicamente, nos defeitos do parceiro. Talvez por isso, a maioria opte por viver relacionamentos com pessoas pelas quais não estão apaixonadas, invés de grandes paixões. Quanto maior a paixão, maiores são as expectativas, e por consequência, mas difícil se torna tolerar os defeitos alheios.
Ao lado de “
500 days of Summer”, “Ruby Sparks – A namorada perfeita” foi uma das abordagens fictícias mais coerentes que já vi de relacionamentos/amor, pois sugere que a satisfação nunca é cem por cento e que pra algo ser verdadeiro e intenso, não, precisa necessariamente, dar certo e ser eterno.
Colecionadores Convulsivos de Expectativas costumam se identificar muito com essa cena de "500 days of Summer"
Acima de tudo, trata-se de uma trama que do início ao fim, enfatizou todos os contras de uma história de amor, conseguindo, contraditoriamente, nos deixar com ainda mais vontade de se entregar a esse complexo sentimento.
Só pra deixar claro que minha opinião sobre Summer Fin permanece a mesma.