terça-feira, 2 de abril de 2013

"Marina" Parte I - por Guilherme Delvalle

Ou uma excelente forma de inaugurar a nova coluna do Alacazaam: Feiticeiro Ilustre

O que menos tenho na fase atual de minha vida - além de tempo - é, contraditoriamente, falta de ideias. Embora desgastante, morar sozinha vem sendo uma experiência tão bacana, a ponto de temas para postagem surgirem naturalmente, de forma constante e nos benditos momentos em que a atualização do blog é praticamente inviável (como durante uma chuveirada, um tópico essencial da revisão, enquanto estou passando o bilhete único no ônibus, etc). Gostaria de ser o tipo de blogueira\pseudo-escritora disposta a parar qualquer coisa para elaborar um texto, mas esse tipo de dedicação super apaixonada não condiz com meu novo frenético cotidiano. Eis que me surge o Guilherme - autor do conto abaixo, um dos meus novos amigos mais sensacional-retardadamente divertidos e escritor de indiscutível talento - e sua proposta genial de mostrar um pouco de sua magia literária aqui no Alacazaam.

E quem sou eu para privar vocês, meus fiéis ou novos, assíduos ou esporádicos leitores, dessa participação\companhia especial, tão pertinente durante esses meus períodos de intensa falta de vergonha na cara e procrastinação?

-

Era mais uma tarde estranha. Abri as janelas e as cortinas, o céu estava nublado e feio. Era uma típica tarde paulista. Debrucei-me no parapeito da janela e fiquei ali, olhando os carros passarem e as folhas das árvores balançarem com o vento. Passaram-se 10 ou 15 minutos, no máximo, e o tédio já estava me fazendo desistir de ficar ali sentindo o vento gelado de mais um Outono. Quando estava prestes a fechar a cortina e voltar pra cama, algo me chamou a atenção e quis ficar ali por mais um tempo.

Vinha chegando um velho senhor, andando com muita dificuldade até a praça em frente ao meu prédio. Em uma das mãos, o senhor segurava a bengala, na outra, a guia de um belo cachorro. Trazia também um livro de capa branca, apoiado embaixo de um dos braços. O senhor andava devagar e o cachorro acompanhava seu ritmo. Ele procurou um banco em baixo da laranjeira e se sentou. Colocou o livro no colo e ficou ali, olhando para o horizonte. O cachorro se sentara junto ao seu pé, como uma estátua. Aquele senhor me deixou intrigado.

Vesti meu casaco e desci até a praça. Aproximei-me com cuidado, pra não assustar nem ao senhor e nem ao cachorro. Sentei-me na outra ponta do banco, e antes que eu pudesse abrir a boca, fui surpreendido:

-Não se preocupe, ele não morde. – Disse-me o velho senhor, com uma voz amável.

-Tudo bem.

-Prazer, meu nome é Manoel. – E estendeu-me a mão.

Cumprimentei o velho senhor e pude perceber que havia algo de estranho em sua face. Seus olhos eram brancos. Fiquei assustado no início, e ele percebeu, sem eu saber como:

-Sorte sua que pode ver as cores, as formas, o mundo. Sempre quis poder ver as cores. Lamentei por um instante, mas estava curioso de mais para saber como aquele senhor adivinhava tudo o que eu pensava:

-Me desculpe, mas como o senhor consegue? Primeiro adivinhou que eu estava aqui, depois soube perfeitamente o que eu estava pensando.

-Qual o seu nome, meu filho? – Perguntou o velho senhor.

-Pedro.

-Muito bem Pedro, eu nunca pude ver as coisas. E como você pode ver, já sou um velho. Já faz 85 anos que preciso adivinhar as coisas.

Olhei para seus olhos novamente, aquela imensidão branca me confundia. Aqueles olhos traziam-me uma sensação de calma e curiosidade:

-Conte-me um pouco sobre você. – Disse ele, quebrando o silencio.

-Ah, tudo bem. Tenho 20 anos, moro no prédio aqui em frente e sou estudante e escritor.

-Hum... Escritor? Deve ter muitas histórias para contar.

-Não muitas. Na verdade eu as crio, na maioria das vezes.

-E não deixa de ter histórias para contar. Quem escreve o que não vê, não sente ou não vive é mais sábio. – Disse ele.

Sorri por um instante. Nunca havia pensado por esse lado:

-E o senhor, o que pode me contar?

-Você não iria ter paciência para ouvir. É um jovem, deve ter muitas outras coisas para fazer.

-Na verdade não, tenho tempo suficiente para aprender com o senhor. O senhor sorriu e virou-se pra mim.

Está vendo esse cão aqui ao meu lado? Olhei para o cachorro. Ele continuava ali, imóvel.

-Sim, é muito bonito.

-É, eu sei. -E como o senhor sabe? O senhor nunca o viu. – Disse eu, me arrependendo da arrogância desnecessária. -Não precisamos enxergar as coisas para saber sobre sua beleza. Esse cachorro me guia todos os dias, há exatos 12 anos. Nunca atacou ninguém, nunca me deixou esbarrar em nada e nunca me negou ajuda. E tudo que eu preciso é dar alimento, água, casa e carinho. Olhei para o cachorro novamente e entendi o que o senhor queria me dizer.

-É como o amor. Você nunca o viu, mas sabe o quão belo ele é. – Retornou o senhor. Sorri novamente. Aquele senhor sabia como colocar as palavras.

-E o senhor já amou?

-Amo todo dia. – Disse-me ele, passando a mão sobre o cão.

-Tenho certeza disso. Mas o senhor já amou alguma mulher?

-Por 50 anos em minha vida.

O velho senhor alisou os raros cabelos tão brancos quanto seus olhos e virou-se novamente pra mim. Procurou minha mão e começou a falar.

8 comentários:

  1. Achei interessante a comparação das coisas que o velho não pode ver com o amor, muito sutil, delicada. O conto deixou um gostinho de quero mais.

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  2. Gostei do texto!!!
    Tenho uma pagina no Face com algumas dicas de moda e make up. Se puder passa lá pra conhecer! https://www.facebook.com/biamunizblog
    Se tiver uma pagina, ficarei feliz em conhecer!!! Bjsss =]

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  3. PRECISO DO RESTO *-*
    Q TEXTO MARAVILHOSO.
    SÉRIO
    QND VC VAI POSTAR TUDO? N ACHEI NA NET AI MEL DELS

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  4. Eu quero a continuação dessa história!
    Cachorrinho fofo. <3

    Kissu ;*

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  5. Foi doce. Curti. E ele tem talento,sim. Só senti falta de um link pra achar o Guilherme :)
    »»» Emilie Escreve

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  6. Que legal isso de você estar morando sozinha. Deve ser uma puta mudança! Adorei o texto do Guilherme, quero o resto :3

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  7. Oláaaaaa. Faz uma década que não venho aqui, mas sempre que venho, me lembro do porque gosto tanto desse blog.

    Mesmo não sendo a Bia a autora do texto, a participação especial do Guilherme foi digna do blog. Sem puxação de saco, to falando sério ISHDOASIHDIOASD
    Fiquei triste quando vi que o texto acabou quando o senhor ia começar a contar a história. Também quero o resto! :D

    Beijosss (:

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  8. Olá, tudo bem? Adorei seu blog, é lindo! Passando aqui pra dizer que já estou te seguindo, segue de volta? http://blogdayaraa.blogspot.com.br/

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