quinta-feira, 4 de julho de 2013

D'uma xícara de café - Parte III

Parte I e Parte II

Lentamente, utilizando o polegar e o indicador como pinça, ele delicadamente trouxe o cosmético para perto de seus olhos, analisando-o atentamente. Maria Lúcia continuava vermelha, nervosa e equilibrando uma bandeja cheia de canecas. Também começava a não entender mais nada.

_ Que engraçado... Olha, sou cineasta. Na verdade, sou estudante de cinema. Meu TCC é um curta-documentário sobre determinada atriz, que usava justamente um batom vermelho dessa marca. Rodei a cidade inteira a procura do bendito, e nada... Foi necessário você derrubar café na minha leitura para que eu finalmente o tivesse em mãos.

Maria Lúcia olhava de Beto para o batom e do batom para Beto, respirando pausadamente, procurando uma interpretação coerente para aquela série de situações e informações inusitadas, assimiladas em meros quinze minutos.

Para Beto reparar nos lábios da moça, impecavelmente desenhados de vermelho, os poucos instantes de meditação em que ela se encontrou foram cruciais. Bochechas gordinhas – um convite para beliscões – contornadas por mechas escuras, desprendidas do coque bagunçado, e olhos infantis, semicobertos por uma franja cheia e necessitada de corte, foram outros registros oportunos capturados pelos olhos atentos do aspirante a cineasta.

_ Você... Quer o batom? – perguntou confusa.

_ Sim... Ou, melhor dizendo, eu o quero emprestado por alguns dias. Então ficamos quites.

O livro manchado pelo deslize de Maria Lúcia certamente valia o aluguel de, no mínimo, uns oitenta exemplares daquele batom. Mas a euforia do encontro com o, supostamente inalcançável, item e o sincero arrependimento da moça, tão inédito no cotidiano daquela grande cidade, induziram o desapego em Beto.

_ Ok.

Enquanto recolocava a infinidade de tranqueiras novamente no bolso, Maria Lúcia, intrigada e receosa, observava o rapaz. Prendendo o bastão com a ponta dos dedos, Beto estava entretido em um exame minucioso do objeto, absorto demais para reparar na expressão invocada com o qual a garçonete o encarava.

Recolhendo a bandeja, a jovem terminou de distribuir os cappuccinos restantes e voltou ofegante para trás do balcão, se apoiando neste para tomar fôlego e retirar a touca. Espirais de fumaça saíam de uma caneca vazia, recentemente abandonada em cima da prancha de madeira na qual seus cotovelos estavam apoiados.

Em minutos, a caneca se encontrava limpa, novamente cheia de cappuccino, com uma generosa cobertura de creme polvilhada de canela e Ovomaltine. Sutilmente, Maria Lúcia depositou a bebida na mesa do estudante de cinema, o dispersando da leitura retomada.

_ Moça, eu não pedi por isso...

_ É por minha conta, relaxa. Acredito que o livro que manchei vale no mínimo umas vinte xícaras de cappuccino, desconsiderando o incômodo ainda...

6 comentários:

  1. E eu aqui curiosa e pensando "Não acredito que já vai acabar!" Quero mais!!
    Adoro contos, adorei você usar o batom vermelho (AMO) como ligação e ele ainda é um cineasta!
    Gente, quanto amor...
    Beijos

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  2. Lindo post. Escreves de uma maneira encantadora.

    http://refugiopcional.blogspot.com.br/

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  3. Ai que legal, quando li a I e a II parte fiquei imaginando o que ia acontecer, ainda bem que você continuou escrevendo esse conto! HAHA

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  4. Me senti ali, sentada ao lado dos dois, vendo tudo acontecer bem de perto. Amo detalhes e seu texto me cativou! =)

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  5. Aah tive que voltar pra ler parte I e II! Meu azul favorito é o marinho e aquele cor de caneta, royal eu acho hahaha
    Passando para desejar um fim de semana maravilhoso!
    Beijo grande.
    yarasousa.blogspot.com.br/

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  6. As coisas mais belas e verdadeiras, acontecem de forma repentina e natural.
    Adorei a forma como está retratando essa naturalidade no 'possível' amor.
    Quero saber o desenrolar dessa história. Tudo por um batom, haha.

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