domingo, 10 de julho de 2011

Suor, chiclete e puberdade

Engoliu depressa o pão com manteiga e café com leite, passou os jeans velhos pelos joelhos ossudos com rapidez, pulando nos All Stars surrados em seguida. Em quinze minutos percorrera os dois quarteirões que separavam sua casa da banca de seu avô. O sol estridente de setembro queimando sua nuca, e ao avistar o velho de calças caqui e os primeiros jornais, já tinha as axilas molhadas de suor.

Cheirou a camiseta preta estampada com os “The Who”. Tinha cheiro de sabão em pó, mofo e puberdade. Deu ombros. Os cabelos acima da média já davam a entender que ele era fã do bom e velho desleixo.

Sentou em uma das caixas de papelão, enquanto o avô espanava as entregas recentes, um sorriso satisfeito no rosto. “Há quanto tempo ele usava a mesma calça?” há muito tempo, concluiu posteriormente. Estalou os lábios secos, a sede apertando a garganta. Queria mesmo era uma cerveja, mania essa de quem começou a beber recentemente, beber sempre que pode, sempre que há sede, sempre há oportunidade. Não que ele fosse um bêbado, nada disso. Mas que ele gostava da sensação do amargo na garganta, do barulho que uma tampa fazia ao se desprender da boca da garrafa e o chiado do gás esvaindo-se pelos primeiros atalhos, ele gostava. Mas contentou-se com o mesmo guaraná de garrafinha que tomava desde os primeiros anos de idade.

Por volta das dez, a inquietação já tomava conta das pernas compridas, que involuntariamente batucavam nas caixas vazias. Beliscara todas as guloseimas que havia, sabia todos os quadrinhos de cor e já estava pançudo de refrigerante. Dona Ângela comprara o jornal de todo dia e sua ciática continuava intacta. Passaram algumas crianças em busca de bala de mel, alguns engravatados em busca de Playboy que ele espiava sob o olhar divertido do avô, que o deixava constrangido. Passara também algumas velhas em busca de fofocas, mas só acharam as habituais revistas de celebridade. Ele estava na penúltima página da Rolling Stone pela trigésima vez quando ela apareceu.

Pé esquerdo, depois o direito. Mãos compridas, agarradas a camisa jeans. Olhinhos pequenos, duas fendas negras na pele rosada. E aquele cabelo grosso, armando-se em cachos largos e rebeldes, que ela se esforçava, mas não podia conter. Assim como ele não podia impedir que o mundo parasse atrás dela, com se seu foco se destinasse a cada movimento desengonçado para ela, mas de valor inestimável pra ele.

_ Um chiclete de melancia, por favor. – pediu com extrema naturalidade, que ele invejava à medida que amava e odiava ao mesmo tempo. Invejava já que seu autocontrole não possuía tais extremos; odiava, pois beirava a indiferença; e amava por nenhum motivo aparente, mas amava.

_ Ahn... Tó. – ele esticou o chiclete. Ela pegou o chiclete. Um bebê chorou na outra calçada, um carro buzinou e se alguém prestasse alguma atenção no prédio vizinho, um casal de velhos brigava com sua empregada. Mas nada fazia diferença, porque quando o retrovisor de um fusca entrou contra um raio de sol que cortou a polpa de um ipê atravessando a banca de jornal e luzindo no aparelho dele, ela sorriu. Sorriu com aqueles olhos castanho chocolate, com as bochechas gordas e rosadas e sorriu o que sua timidez permitia. E involuntariamente ele deixou-se formar uma carranca do que seria um sorriso.

E o mundo podia parar naquele segundo. E parou.

5 comentários:

  1. cara, que texto lindo *-* ainda mais com essa musica, ela descreve a minha vida!

    ''oh that boy slag, the best you ever had (8)''

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  2. Texto incrível! Li e repeti, muito bom mesmo. E para fechar, Fluorescent Adolescent. Melhor do que isso não dá!

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  3. Adorei o texto, descrevendo direitinho como é quando você gosta de alguém e como tudo muda quando você está nesse mundo de amor e magia. Eu várias vezes já estive estrategicamente em lugares estrategicamente perto de um lugar que estrategicamente alguém passava sempre. E eu era feliz com isso. Um beijinho e desculpe a demora pra visitar aqui, eu viajei! Beijo!

    http://biacentrismo.blogspot.com - @biacentrismo

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  4. E é bem assim mesmo, tudo para e mesmo assim não é o suficiente. Eu adorei esse texto e adorei a forma como você o escreveu, Bea, nesse jeitinho brasileiro e corrido que passa quase que despercebido mas marca tanto e torna as coisas com um quê a mais de personalidade forte. Adorei!

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  5. Amei seu texto. Ele me prendeu do início ao fim. Lindo, lindo.

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