quinta-feira, 7 de março de 2013

A Vingança Vermelha

A sensação de tranquilidade terminou ao abrir de rompante os olhos, imagens da noite anterior surgindo em flashs sucessivos e desaparecendo de sua memória subitamente, tal qual uma bolha de sabão que se desfaz quando ganha altura.

Nos lábios, o gosto de sangue se misturava ao da vodka. Contudo, sua sobriedade era suficiente para perceber que o sangue não provinha de um corte em seus lábios, ou de algumas das manchas escarlates espalhadas por seu corpo. Invicta de ferimentos.

Havia pegadas no assoalho. O sangue já viscoso indicava que o rastro fora feito há algum tempo, e o último pé terminava diante de um jovem igualmente manchado de vermelho. Seus lábios estavam pálidos, a cor era um contraste gritante naquela brancura de pele e cabelos, loiros como o de um elfo. Gritou!

Olhar estático, pálpebras semiabertas mostrando uma ires azul escura e, aliadas a falta de movimento em seu tórax, deram a ela a certeza de que aquele já não estava entre os vivos. O quarto girou em seu campo de visão, pernas bambas se esforçavam para caminhar rapidamente até a porta, pés deslizando nas manchas espalhadas pelos tacos de madeira.

_Socorr... – ameaçou gritar, mas sua garganta ardia. No ar, o gosto de fumaça, talvez indício de um incêndio. Em sua mente, porém, era uma questão a incendiar: Teria matado aquele rapaz?!

Com certeza não! Mas ela não estava certa sobre muitas coisas naquele momento. Tudo que surgia em sua memória eram os copos de champanhe, as mãos cheias de frutas cristalizadas devoradas brutalmente enquanto assistia aquela garota ruiva, a esquisita da escola, ser humilhada diante de toda galera. Tinham rasgado seu vestido, um puta vestido cor-de-rosa, com certeza a coisa mais cara que a ruiva já tivera. A coisa mais cara já vista por ela na vida.

Deixaram-na nua, com pessoas rindo e apontando. Também rira e apontara, afinal, o álcool começava a fazer efeito, e era tudo tão engraçado. Mas agora, a visão da ruiva diante dela, ao fim do corredor, com vestido em frangalhos, coberto de sangue assim como suas mãos, os lábios manchados de vermelho, exibindo um sorriso insano, outros corpos espalhados ao redor dela... Aquilo não parecia nada engraçado.

Gritou novamente, usufruindo de suas últimas energias. A ruiva riu em resposta, sua gargalhada ecoando pela casa desprovida de vida, e acendeu um isqueiro. Iluminou suas feições distorcidas antes de lançar o objeto nas cortinas sujas, as quais flutuavam com a força das rajadas de vento.

Tentou fugir, mas em pouco tempo as labaredas já consumiam toda casa, se alastravam pelos móveis, engolindo os cadáveres. Encostou-se a parede do corredor, vendo a ruiva no outro extremo, um espectro consumido por chamas luminosas, risos e gritos de agonia, cabelos cheios levantados pelo vento.

O fogo alcançou seus pés. Dor. Tudo se tornou vermelho.

7 comentários:

  1. Trágico! As pessoas as vezes são movidas por impulsos e detonam a sua vida, além de detonar a vida alheia. É claro que eu entendo o mal que causaram à ruiva, mas acho que ela podia sair por cima da situação e resolvê-la de uma maneira melhor e mais pacífica.

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  2. Sei que já disse isso aqui, mas adoro a forma como você cria o quadro da ação. Apronta o palco. É tudo muito bem feito. Você é muito talentosa. Escreva e poste mais contos pra gente ler. Ah,sim, o elemento surpresa do final: adorei. Não achei que a ação acontecia enquanto a história estivesse sendo contada. Por um momento, pensei que fosse um texto de memórias.
    ~~ Emilie Escreve ~

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  3. Sardas! Gostei do conto. Não consigo ser sucinta e transmitir tanto quanto você.

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  4. Quanto glamour, dona Bea!
    Sei que não deve ser a coisa certa a dizer, mas acho que, depois de não sei quanto tempo acompanhando seus escritos, acho que você tem uma classe muito digna pra escrever, exatamente. E esse conto é apenas (mais) uma demonstração do seu potencial: você fez um conto relativamente pequeno e soube muito bem prender-nos até a derradeira linha com uma narrativa maravilhosa de instigante. Tudo isso com muito glamour.
    Nem comento aqui a minha eterna vontade de ser ruiva. Pfvr.

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  5. Trágico e profundo! Conduz a história de uma maneira que faça com que estejamos nela, sejamos a personagem. Senti o que a ruiva sentiu e senti a dor que quis transmitir. O vermelho. Tão bom que não tenho palavras pra descrever, ótimo blog e estou seguindo.

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  6. Hey, que incrível! Pude ver todas as cenas na minha mente enquanto lia cada palavra e cada parágrafo! Me fez lembrar de Carrie (li a pouco o livro de King), que tenho pensado bastante, sobre humilhações e vingança. Perfeito!

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