Parte I
“ Nasci no ano de 1927, num bairro perto daqui. Minha mãe teve alguns problemas na gravidez e eu nasci assim, cego. Fui criado pela minha mãe apenas.
Nunca frequentei uma escola, nunca aprendi a escrever ou a ler em braile. Sofria preconceito. Cego, filho de mãe solteira e pobre. Morei com minha mãe até os meus 23 anos. E foi com 23 que conheci Marina. Marina era a menina mais bela de todo o bairro. Não fumava, não bebia e frequentava a igreja. Era uma das poucas que não me olhava com dó ou preconceito.
Marina era uma santa. Começamos a namorar e nos casamos no ano seguinte. Na época, minha mãezinha estava muito doente e faleceu dois meses depois do meu casamento. Marina e eu vivemos juntos na casa de mamãe. Ela acordava cedo todo dia e fazia café pra mim. Éramos muito felizes.
No entanto, na virada do século as coisas mudaram. Marina estava cada vez mais distante. Peguei-a chorando no banheiro uma vez. Saia constantemente de casa, e nunca dizia a aonde ia. Logo começou a tossir e evitar ficar comigo. Foram 6 meses assim. Eu já estava velho, cansado. Marina percebeu isso e passou a sair comigo todos os dias. Vinha até essa praça, sentava comigo em um banco embaixo da laranjeira e lia o seu livro preferido. Passávamos horas aqui, ouvindo o canto dos pássaros, sentindo a brisa da tarde e relendo as páginas do livro. Essa foi a minha vida por mais 6 meses.
A manhã do dia 12 de dezembro de 2000 foi diferente. Acordei antes que Marina viesse com o café, e encontrei-a de novo no banheiro, aos prantos. Convenci-a a me dizer o que estava havendo, e depois de muito silêncio, Marina me revelou o motivo do seu choro e de suas saídas constantes: Ela tinha uma doença rara. Lembro-me como se fosse ontem. Meu mundo desabou, mas tentei dar apoio a ela. Marina precisava de mim, assim como eu precisava dela. Dias mais tarde, Marina chegou em casa com uma surpresa: Marlon, esse meu cão guia. Ela me disse que ele me traria alegria e seria meus olhos quando eu precisasse.
A princípio, não gostei muito da ideia, até porque, ela era minha guia em todos esses anos. Mas aceitei mesmo assim. Marlon tornou-se um companheiro para nós em alguns dias. De fato, ele me devolvera a alegria.
Marina me deixou duas semanas depois, logo depois do Natal.
A vida é assim, lhe dá as coisas conforme sua necessidade. Tirou-me mamãe, mas me deu Marina. Tirou-me Marina, mas me deu Marlon. E, desde então, venho aqui todos os dias. Sento-me nesse velho banco e revivo cada instante com meu único amor. Trago aqui meu guia, Marlon, que herdou de Marina a atenção e o amor. Trago também o mesmo livro, da capa branca como meus olhos. Mesmo que eu não consiga ler, lembro-me de cada detalhe da história que ela me contava. ”
Meus olhos estavam cheios de lágrimas no final daquela história. E o velho senhor levantou-se e disse antes de partir:
“ Nunca vi mamãe, Marina ou Marlon. Também nunca vi o amor. Mas sei que, no fundo, eles quatro tem alguma relação.”
Seu conto é tão encantador. Suas palavras são sábias e adentram a alma do leitor. Foi emocionante a história toda. Principalmente, essa frase incrível "A vida é assim, lhe dá as coisas conforme sua necessidade." Tais palavras são de muita intensidade e veracidade. Encaixam perfeitamente dentro do texto. Adorei!
ResponderExcluirObs: Gostaria de ler seus contos mais vezes no blog.
Eba! A continuação!
ResponderExcluirMuito bonita a história do seu Manoel. História de amor que, admitindo ou não, todo mundo sonha...
Maravilha! Continua :D
Beijos.
Eu confesso que li primeiro essa parte e depois fui para outra. Porém me achei no texto e o feito deixou de ser o " Encantador". Muito bonito esse conto, de verdade. Quando leio coisas assim me pergunta pra onde fugiu minha inspiração. hahaha
ResponderExcluirParabéns , pelo texto e continuarei por aqui,beijinhos.
Que coisa mais linda! sério. Amei de verdade. Essa continuação está muito boa, acho que foi este um dos contos mais lindos que eu já lí. Marlon é um bom nome pra cachorro.
ResponderExcluirSe tiver outra dica de conto, tão bom quanto esse, por favor poste *-*