quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

(Não só) A mulher de Prestes

/* Diante da complexidade e grandeza da obra, tomei eu, humilde blogueira palpiteira, a liberdade de selecionar e transferir alguns trechos do livro para uma melhor análise, portanto haverá certamente spoilers.


Maria Begner Vilar, Frieda Wolf Behrendt, Olga Bergner, Olga Meireles, Eva Kruger, Maria Prestes e Olga Benario. É mais do que aceitável a adoção de tantas identidades para despistar a alemã comunista, cuja a impactante história não se limitou à terras europeias, deixando aqui no Brasil um pedacinho d'uma vida tão linda quanto triste.

Olga foi muito mais do que a bela de olhos verdes casada com o líder da Coluna, ativista comunista e um dos principais responsáveis pela revolução frustrada de 45 - a Intentona Comunista - Luís Carlos Prestes. Embora sua batalha tenha sido tão notória quanto a de sua esposa, a figura do gaúcho também esmiuçada na obra torna-se ofuscada pela personalidade singular de sua mulher, fugindo totalmente do padrão "sexo frágil" imposto pela sociedade da época.

Sua trajetória e a dos demais principais esquerdistas, tendo como plano de fundo a ditadura Vargas no Brasil, uma Europa assombrada pelo nazismo onde um partido Comunista lutava por um revolução submetido à clandestinidade, é detalhada, e extensa demais para se resumir à um filme. A minha satisfação em ter escolhido ler o livro de Fernando Morais antes de assistir Olga não poderia ter sido maior ao constatar que metade de toda essa história se perde na brilhante (sim, devo admitir) fotografia de Jayme Monjardin.

Filha de um advogado socialdemocrata, que se dedicava à apanhar causas de trabalhadores menos favorecidos de graça e "com mais afinco" - como cita Olga em uma passagem do livro - e de uma burguesa judia, indiferente as atitudes filantrópicas do marido e dos ideais esquerdistas da filha, sua infância e adolescência foi cheia de luxo e riqueza restrita à elite alemã. O ingresso de Olga na juventude comunista, descoberta enquanto assistia clandestinamente uma das reuniões do grupo, é minha parte favorita de todo livro e a mais (se não a única, visto o clima de tensão que abrange praticamente toda história) divertida, mostrando que embora com inteligência e segurança anormais para idade exibia os mesmos impulsos característicos dos adolescentes rebeldes.

"A Juventude Comunista havia sido proibida pela polícia e entrara na clandestinidade. Seus militantes, adolescentes de no máximo dezoito anos, resolveram então criar o Grupo Schwabing, que se reunia uma vez por semana numa velha serraria nos subúrbios da capital Baviera. Certa tarde, a reunião é interrompida por barulhos suspeitos do lado de fora. Os encarregados da segurança saem, temendo a chegada da polícia, e deparam com a jovem magrela, alta, de trancinhas escuras pedindo para fazer parte do Schwabing. [...]
Quando indagaram seu endereço e nome dos pais, ela responde:

_Sou filha do advogado Leo Benario.Mas não tenho culpa disso."


Dessa adolescente com trancinhas, cresceu uma jovem mulher que seria responsável pela operação que libertaria o ativista Otto Braun, na época seu namorado, tornando-a uma heroína nas sedes comunistas espalhadas pela Europa. Apaixonada por estratégias militares, possuía um olhar autoritário que chegava à intimidar a polícia de Vargas, quando esteve sob seu domínio.

"O terror reverencial que os policiais de todos os níveis guardavam por Prestes parecia estender-se também a sua mulher: apesar das ameaças e do terror psicológico, ninguém lhe tocara um fio de cabelo."

Elemento principal da trama, o "terror político" da ditadura Vargas é tão minuciosamente detalhado que ao decorrer da leitura desprende-se das páginas ganhando real intensidade, me fazendo experimentar da angústia, medo, incerteza e revolta por qual passaram os presos políticos. A gravidez em cárcere na qual Olga foi submetida, as sessões do tortura descritas em todos os detalhes, a ajuda mútua entre os prisioneiros da "Casa de Detenção na Rua Frei Caneca" - para onde eram mandados "indivíduos de alta periculosidade à segurança nacional" - e a separação de mãe e filha antecedente à deportação de Olga para Alemanha encerra o livro de uma forma extremamente triste, e mesmo assim bela.

Beleza vista principalmente nas cartas escritas por Olga durante seu confinamento, remetidas à sogra, à filha e ao marido. Não menos destemida, são nesses escritos que dá vazão ao lado mulher e mãe, saudando os encantamentos da maternidade, as saudades e a esperança sessando somente no desabafo que só muitos anos depois seria entregue ao marido, mesmo que sendo feito antes de sua execução.

"Queridos:
Amanhã vou precisar de toda a minha força e de toda a minha vontade. Por isso, não posso pensar nas coisas que me torturaram o coração, que são mais caras que a minha própria vida. E por isso me despeço de vocês agora. É totalmente impossível para mim imaginar, filha querida, que não voltarei a ver-te, que nunca mais voltarei a estreitar-te em meus braços ansiosos. Queria poder pentear-te, fazer-te tranças - ah, não, elas foram cortadas. Mas te fica melhor de cabelo solto, um pouco desalinhado. Antes de tudo, vou fazer-te forte. Deves andar de sandálias ou descalça, correr ao ar livre comigo. Sua vó, em princípio, não estará muito de acordo com isso, mas logos nos entenderemos bem. Deves respeitá-la e querê-la por toda a tua vida, como teu pai e eu fazemos. Todas as manhãs faremos ginástica...Vês? Já volto a sonhar, como tantas noites, e esqueço que esta é a minha despedida. E agora, quando penso nisto de novo, a ideia de que nunca mais poderei estreitar teu corpinho cálido é para mim como a morte."

5 comentários:

  1. Oi, tem um MEME para tu no meu blog. Beijos :)
    http://itgirl-sweet.blogspot.com/2012/01/meme-10-coisas-que-eu-mais-gosto_27.html

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  2. Gostei muito do blog e estou seguindo!
    Ficaria grata com sua visita e siga se gostar:
    http://fazdecontatxt.blogspot.com

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  3. Bea, sou muito interessada em ler o livro e percebi que ele estava na sua cabeceira, o filme me emocionou horrores, achei que o elenco trabalhou muito bem, não lembro de muita coisa porque o assisti há séculos, e infelizmente não tive a oportunidade de revê-lo (ainda), sou louca pra ler o livro (já indicado por um professor de história) e fiquei mais ainda depois da tua resenha, teus comentários e desses trechos do livro, é uma história muito interessante e crucial dentro da história brasileira.

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  4. Eu já li esse livro. Tornei-me fã da Olga. Ela foi uma mulher incrível!

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  5. Olá! Bom, eu assisti Olga quando era criança, ou adolescente, não lembro. Creio que por isso o impacto tenha sido bem maior, sei que as imagens do filme ficaram um bom tempo martelando na minha cabeça que ainda não entendia muito bem o "mundo". E veja só que coisa: eu nem fazia ideia de que havia um livro! Maravilha, caiu como uma luva, já que hoje acordei com uma vontade louca de ler um livro bom. Quero lê-lo agorinha :D Mas sem dúvida alguma, Olga Benario (como a conheci) com certeza é um exemplo de mulher!
    Beijos, e obrigada!

    Aliás, como foi o show do Teatro Mágico? Sou completamente louca pra vê-los ao vivo! :*

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