quinta-feira, 18 de outubro de 2012

A Rosa e o tuberculoso

Duas crianças correndo pelo quintal, mãos dadas e sujas de terra, a mesma terra das pegadas que marcavam o assoalho recém-encerado. As risadas do menino, desprovidas da timidez que limitava as da companheira, ecoavam vivas pelos cômodos da casa. Risadas, as quais seriam, no futuro, sufocadas pela tosse.

Aos doze anos, a fadiga o limitou permanentemente ao quarto, afastando-o do quintal e de sua Rosa mais querida. E à medida que a vida dele minguava noite após noite, tosse após tosse, sem nunca chegar de fato aos braços da morte, o querer que ela nutria, aumentava, ao tempo resistia.

Sigilosamente, quando a família entretinha-se com algo o suficiente para não dar-lhe falta, pé-ante-pé, Rosa subia as escadas que a levavam até o último quarto. Lá podia vê-lo, pela sacada, diante do piano, a tocar e tossir. O tempo parecia satirizar com a desgraça de Hugo, trazendo a sua figura desenganada, a cada nova primavera teimosa, uma beleza tão ascendente quanto sua moléstia.

Resolveu ele, numa manhã, abrir a janela, sendo este um ato inédito desde o início da tuberculose. Inspirou fundo com toda pouca força de seus pulmões e, deparando-se com a presença de Rosa na janela vizinha, acenou, pela primeira vez em muito tempo, sorriu. Um sorriso grande e cheio, sorriso a muito guardado, sorriso que guardava todos seus sorrisos negados pela vida. Morreu ao final daquele dia.

Rosa, na manhã seguinte, acordou toda vizinhança. Atirou-se da janela. Uma roseira, de rosas cheias, vermelhas, cresceu inexplicavelmente naquele jardim. Homenageando um amor que seria florescido, mas não o foi.

11 comentários:

  1. Triste :/ Mas muito bonito e bem escrito!

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  2. Nossa, muito emocionante. Você tem o poder de causa emoções à flor da pele, ao leitor. Eu sou suspeita pra falar, porque adoro contos, mas este seu é de muita sutileza e pesar. Você conseguiu unir a ambiguidade da morte de Rosa, com o amor florescido entre as roseiras. Adorei!

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  3. Acho turberculose uma doença ferradamente poética. Sei que é estranho falar isso de algo que ceifou tantas vidas, mas ainda assim, não me deixa de lembrar Alvares de Azevedo e outros poetas fantásticos.

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  4. Lindo e ao mesmo tempo triste. Beatriz,você tem talento.Não sei se já o faz,mas deve continuar escrevendo. E postando no blog,claro.Queremos ler mais.
    ~Emilie Escreve~ FanpageTwitter

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  5. Tristeza faz arte, Beatriz. E esse seu texto é prova disso. Gosto de muito de ler o que você escreve, sinto-me bem por aqui.

    Um beijo, @pequenatiss.

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  6. Você também não sabe andar de bicicleta? Só conheço você e mais dois amigos que compartilham do mesmo não saber. Meu pai na verdade nunca quis me deixar andar, por medo que eu me machucasse. E minha mãe caiu um tombo feio de bicicleta quando criança, então ela também tinha medo. Isso acabou passando pra mim, mas eu ainda vou conseguir andar de bicicleta. Acho que deve ser muito gostoso andar de bicicleta pela cidade num fim de tarde de um domingo, por exemplo. Ainda farei isso.

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  7. Trágica, como toda verdadeira historia de amor. Gostei disso.

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  8. Own, que coisa mais bela, Beatriz! O amor assim floresceu, mesmo os dois não estando juntos. Lindinha a história!

    ah, eu também adoro batom vermelho. uso quase sempre. é raro eu nao usar hahaha

    um beeeeijo :*

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  9. Gostei, emocionante, principalmente quando fala dos sorrisos negados pela vida ;)
    Bom início de semana!
    Bjus

    Rafa
    Rafaelando

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  10. Tocante. Lhe daria uns quitutes pra ler essa história inteira. Adorei!
    Ei Bia, obrigado pela visita, espero que tenha gostado da última "viagem". Criei o blog recentemente, logo, preciso aperfeiçoar algumas partes do mesmo.
    Se eu aceito parceria contigo? Claro que sim.
    Vou tratar de linká-la no meu.
    Beijos, ótimo restinho de semana.

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  11. Olá. Fiquei curiosa para ler o seu blog e amei este conto, acho que contos tem um poder imenso de mexer fundo dentro da gente. Este é bem triste. Mas ao mesmo tempo muito bonito pensar nos caminhos não trilhados. O que poderia ter sido mas não foi. Como estariam as coisas se em algum ponto no passado tivéssemos feito outra escolha?
    beijos

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