sexta-feira, 10 de maio de 2013

Palhetas, palavras e uma rosa

Gotinhas de suor escorrendo em minha testa, ampliadas pelos telões de infinitas polegadas instalados ao lado do palco, faíscam como pequenas explosões, quando me vejo voltado para luminosidade incandescente de pelo menos vinte holofotes.

A plateia, histérica, aos gritos e empurrões, faz tremerem as tábuas de madeira pelas quais o palco é sustentado, como se este estivesse sobre a boca de vulcão furioso, prestes a entrar em erupção e me engolir.

Diante de uma quantidade incontável de faces multicoloridas pelas luzes do estádio, a desgraçada ainda consegue se destacar em meu campo de visão. E o pior: não há nela nada de tão singular para justificar uma atenção especial. Apenas um acontecimento, patético, se comparado aos trazidos por uma carreira que inesperadamente deslanchou. Uma porta que não foi prudentemente trancada, dando a uma fanática a oportunidade de invadir o quarto de um semi desconhecido guitarrista.

E ela carregava em seus cabelos, negros de vinil, a mesma rosa do dia em que acordei com ela em meus braços, coberta por minha jaqueta de couro. Tão artificial como tudo que nela existia, como tudo que em mim agora existe. Artificial como o sintético de minha atual jaqueta sustentável, minha atual postura ecológica. Como minha indiferença por seus carinhos ensaiada durante tanto tempo.

Embora tenha os braços do marido envoltos em sua cintura, mantem o olhar fixo em mim, sem disfarce. E o pobre sinceramente não faz nenhuma ideia, porque orgulhosa e inteligente como é, não mencionou a ninguém nosso etéreo e turbulento caso.

Permanece até o fim, para assistir a última música, a qual compus divagando sobre o "nós". Não fala dela, nem de nossa suposta relação. Porém, fala de um eu por ela profundamente conhecido, do qual me desfiz sem dar conta, e que saiu pela mesma porta que ela largou aberta quando se cansou de toda minha confusão. Um relâmpago, em meio a uma coleção imprecisa de recordações.

Quando chego ao camarim, arrancando aquela jaqueta vagabunda e recolhendo as coisas para refazer a mala recentemente desfeita, encontro. Em meio a frutas cristalizadas, cigarros, garrafas vazias, sabonetes, toalhas felpudas, cartas quilométricas, enterrada sob uma parafernália técnica... Uma rosa cor-de-rosa, de pétalas de plástico.

Ela entendeu o recado. E eu julgava ser mais habilidoso com palhetas do que com palavras.

6 comentários:

  1. Gostei dos tons de rock'n'roll no conto. Não costumo ler contos que apresentem um ambiente do rock. Isso me chamou a atenção. Suas metáforas sempre me passam um momento de "êxtase", são inteligentes e gosto disso.

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  2. Texto bem construído, vai se apresentando conforme a leitura, confuso no começo e com um final simples, porém inteligente. Gostei. E a temática também um pouco inusitada.

    Thoughts-little-princess.blogspot.com

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  3. Own. Adorei o tom do conto. E lá pela metade que fui entender que se tratava da relação de duas mulheres. Curti o fato de postar contos no seu blog - que era tão pessoal. ^^
    »»» Emilie Escreve

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  4. Chega a dar "euforia" é a única coisa que consigo para descrever. *w*

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  5. Adorei, lindo texto, ter inspiração para escrever lindamente assim não é nada facil para mim haha
    :*

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  6. Lindo. Lindo este desamor. Merecia até uma continuação. Mas vou imagina-la na minha cabeça. Beijo

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